sábado, dezembro 31, 2005

 

Évora será aquilo que ela própria quiser ser...

Évora é um organismo vivo, tem um querer, tem um sentir, tem uma vontade, muito próprios que foram sendo construídos ao longo de milénios.
Évora detém uma egrégora telúrica, de experiência feita e vivida, que resistiu identitariamente ao longo dos séculos e obrigou os seus habitantes a adaptarem-se, a organizarem-se segundo padrões genésicos pré-definidos e independentes das pequenas vontades dos homens comuns.
Évora marca indelevelmente todos quantos a ela se ligam, por nascimento ou por opção, por obrigação ou involuntariamente, como diriam os do V Império: “por Missão ou por castigo”!
Évora é uma Cidade por excelência axial, vertical tocando-nos a cada um de nós na profundidade do espelho. Contudo muitas vezes a sentimos pendular, detentora de um movimento virtual formado pela relação do nível/horizontal com o esquadro/vertical.
Évora possui vários centros e todos eles comunicando entre si, independentemente do espaço e do tempo em que se manifestem, cujas formas serpentinas e essenciais fazem de Évora uma mater abarcante, soberana e simultaneamente protectora e destruidora.
“A morte é a dissolução necessária das combinações imperfeitas...”, dizia Levi . A destruição é apanágio da divindade tal como a criação, tal como a perfeição. E Évora pertence a um tempo e a um espaço fora das lógicas comezinhas dos seus figurantes mortais.
Não tenteis compreender Évora dentro dos vossos intelectos estreitos e condicionados. Não tenteis dominar Évora porque para a dominar é preciso compreendê-la na sua profundidade, é preciso destrinçar as suas diferentes linguagens ocultas: a linguagem dos pássaros e a linguagem do vento; a linguagem do touro na delimitação sagrada da terra ancestral e a linguagem das sereias na ondulação das árvores centenares; a linguagem dos anjos escrita no fogo cristalizado das pedras erguidas em saudação e a linguagem dos homens na elaboração da síntese possível das diferentes mensagens de libertação.
Évora tem coração e sentir, tem olho de vigília e de pensamento, tem útero protector com a possibilidade de criação, mas igualmente tem mão de ferro, de espada, para purificar e afastar a mente e o desejo profanos do sanctum santorum que em si encerra e que paradoxalmente quer partilhar de forma generosa com aqueles que souberem e ousarem escutar a melodia do som sem som que desde remotas antiguidades sempre guiou e guiará o peregrino incansável, o buscador, o homem liberto das peias do destino.

R.A. – texto em construção
Ramo “Boa-Vontade”, Évora, Novembro de 2005

Évora - Cidade de História e Cultura

Évora, importante cidade da Província do Alto Alentejo, conta actualmente na sua cintura urbana com cerca de 60.000 habitantes.
Antes de se entrar em aspectos mais concretos sobre a evolução histórica da Cidade de Évora em si, façamos uma rápida abordagem, digamos assim, antropológica, sobre a Fundação de uma Cidade.
A realidade Cidade aparece como o resultado da complexificação das estruturas sociais e humanas. Da família ao clã, do clã à tribo, da tribo à Fundação da Cidade... Nesta co-existem os indivíduos, livres, estratificados numa hierarquia de valores, de direitos e de deveres. É na Cidade que acontece o exercício da lei e do poder (a política), é na Cidade que acontece o exercício da Religião e dos Cultos... A Cidade enquanto suporte físico da Autoridade e da Ordem...
A Fundação de uma Cidade era sempre um acto religioso, como resultado do facto disso acontecer como consequência da união de diversas famílias sob o mesmo culto (Autoridade) e sob o mesmo santuário...
Lembremos um Ritual ancestral de Fundação de uma Cidade, nomeadamente na Antiga Grécia: o herói fundador teria de cavar um pequeno buraco circular e aí lançar um punhado de terra "sagrada", terra em que os seus antepassados estão sepultados...
Da antiga Grécia a Roma e de Roma à Évora primeva. Conceitos e ideias a ter em conta: o Circular, a Sacralização do Espaço (do Caos ao Cosmos), o acto volitivo e de poder. O arquétipo.
A Fundação de uma Cidade, neste caso Évora, data de tempos imemoriais, ofuscados pela lenda... Cidade erigida nos tempos míticos dos heróis e dos deuses... Tempos em que a Cidade era vista como Pátria... como a terra dos antepassados...
Através da História, percebe-se que Évora foi local de encontro e de encruzilhada de diferentes civilizações e culturas.
Citada por vários escritores Romanos, de certo modo biógrafos do Império Romano: Plínio, Pompónio Mela, Antonino Pio, Estrabão...
No ano 700 a. C. teria sofrido uma "invasão" de tribos da Germânia denominadas por Eburones.
Viriato, no ano 144 a. C. terá derrotado o general romano Caio Plácio às portas da cidade.
Sertório designou-a como sede do seu governo no ano 81 a. C..
Júlio César, em 30 a. C. chamou-lhe "Liberalitas Julia", criando em Ebora (assim se denominava nessa altura) o município do antigo direito latino, considerando os residentes enquanto cidadãos romanos.
Por outro lado, e pouco antes da nossa Era, Évora foi crismada com "Felicitas Julia", em honra de César. Segundo o historiador Jorge Alarcão, "Ebora era a cidade da Lusitânia (portuguesa) onde habitava maior número de famílias de origem romana", existindo no seu termo numerosas "villas" rústicas.
Em 413 d. C. outras tribos ocuparam Évora, desta feita foram os Alanos, igualmente provenientes do Norte da Europa.
Por sua vez os Godos conquistaram a Cidade em 612.
Os Árabes tomaram-na em 716 e denominaram-na nas suas Crónicas por Yabburah. Edrici, um dos maiores geógrafos árabes, situa e descreve assim Évora: "Desde Alcácer ao mar há 20 milhas e de Alcácer a Évora duas jornadas. Esta última cidade é grande e povoada. Rodeada de muros, possui um castelo forte e uma mesquita-catedral. O território que a rodeia é de uma fertilidade singular; produz trigo e gado e toda a espécie de frutas e hortaliças. É um lugar excelente, donde o comércio é vantajoso, quer de exportação, quer de importação".
Foi pelos Cristãos conquistada aos Mouros em 753 pelo rei de Oviedo, D. Fruela I, e reconquistada por aqueles em 760 com o auxílio dos moradores, sob o comando de Abd-el-Ramon, Califa de Córdoba.
Fernando magno, rei de Oviedo e de Leão, tornou a apossar-se de Yabburah em 1097, para a perder alguns anos depois.
D. Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal, conquistou-a em 1159 (juntamente com Beja), mas foi forçado a abandoná-la por pressão de forte exército Almôada.
Só em 30 de Novembro de 1165, Geraldo Geraldes a reconquistou definitivamente para a recém criada Coroa portuguesa.
A Cidade teve foral por D. Afonso Henriques a 28 de Janeiro de 1167, posteriormente confirmado por D. Sancho I em Santarém, em Janeiro de 1218.
O Rei D. Manuel I deu-lhe Foral da Leitura Nova em 1501.
O Renascimento em Évora, fez da Cidade a capital de um Império... por cumprir!...
Como atrás foi referido, LIBERALITAS JULIA foi o título com que César distinguiu a Cidade de Évora, edificada pelos Romanos sobre civilizações anteriores. Local de encontro e de encruzilhada de diferentes Povos, desde Celtas, Godos, Lusitanos, Romanos, Árabes, Judeus e Cristãos  todos eles contribuíram para a construção da complexa idiossincrasia dos Eborenses. Civilizações cruzadas, que se interpenetram, que se sobrepõem e interagem e que teceram redes de espírito humano, cada qual enriquecedora da anterior... e a Cidade vai, através das épocas, ela própria, edificando-se e formando os Cidadãos, no seu seio...

Uma das principais riquezas da Évora moderna, encontra-se sobretudo associada ao seu Centro Histórico enquanto conjunto arquitectónico e patrimonial de beleza ímpar. Assim, a monumentalidade de Évora, aliada ao seu cunho pitoresco, à vivência humana e cultural, originou a classificação pela UNESCO, em 25 de Novembro de 1986, do seu Centro Histórico como Património da Humanidade, honra que, pela primeira vez, foi atribuída a uma cidade continental portuguesa, tendo esta classificação constituído o corolário de toda a história da cidade ao longo dos muitos séculos de evolução e transformação urbana..
Além de toda a ambiência típica de burgo medievo, que se sente quando nos passeamos pelas ruas e travessas, pelos seus pátios e largos, somos frequentemente surpreendidos por monumentos da nossa História que importa realçar: o Templo Romano, a Catedral, as igrejas de S. Francisco, de S. João Evangelista e de N.ª Sr.ª da Graça, a Universidade, o Aqueduto da Água da Prata e suas Fontes, e muitos outros edifícios e recantos que se espalham equilibrada e graciosamente pela nobre cidade.
Com a valência Património da Humanidade, iniciou-se uma nova etapa da história da cidade, das suas instituições e dos seus habitantes, caracterizada pela responsabilização, ao nível do Património, da defesa e da preservação de um legado milenar continuamente revivificado, tentando no dia-a-dia a sua melhoria e o seu desenvolvimento harmoniosos.

Évora, repertório inesgotável dos nossos melhores poemas de granito e mármore. Diz-nos o Poeta Teixeira de Pascoaes, que se sente «Évora como a Catedral do Silêncio», cheia de misteriosa comoção, a cidade mais bela para os olhos, que se extasiam nos passados longínquos e ao mesmo tempo sempre presentes. Se há alguma cidade que nos remete continuamente para o Mito do Eterno Presente, onde o sagrado e o profano se amalgamam num equilíbrio estético e telúrico, uma dessas cidades será certamente Évora.
Aqui a História está viva. É uma autêntica Aventura e Surpresa re-descobrir Évora sempre que por ela nos passeemos, pelas suas ruas, praças, largos, recantos, fontes, pátios, passeios, jardins, enfim um nunca mais acabar de sítios com ambiências peculiares e que nos sussurram ao ouvido interior e nos convidam para uma Peregrinação e uma Descoberta.

R.A.
Ramo “Boa-Vontade”
Novembro de 2005.

  

Santa Maria de Évora

"Que noite gloriosa a de hoje
Cheia de anjos e de névoa
Como aquela noite longínqua
Quando vislumbrei da planície
Uma Rosa na Catedral de Évora."
W. B. YEATS

Os Corvos negros fizeram-se ouvir na Torre Sineira da Catedral Gótica.
No interior, a Luz animou as Colunas... A Senhora do Ó, o Anjo, o Grifo e a Lebre desceram dos pedestais.
O Arquitecto desenrolou o Papiro e fez transparecer a Sua Mensagem inefável... Do triforium ouviram-se sons... A Energia entrou pelas Rosáceas e encontrou-se no Centro e jorrou para cima e para os lados e para baixo.
A Torre Lanterna incendiou-se e iluminou-se nos seus oito lados.
Os Corvos, no exterior, debandaram nas sete direcções do Espaço profundo.
A Palavra, regularmente pronunciada, fez erigir o Templo e acontecer o Ritual. As pancadas soaram, a Porta abriu-se e o Neófito aproximou-se com passada cadenciada e hesitante, do Oriente. Mas não se encontrava só... a Presença do Mestre fez com que a venda lhe caísse aos pés, fazendo-o vislumbrar a Luz almejada. E a Luz era Oiro, e o oiro tinha a forma de Coração e o coração transmutou-se em Rosa, donde brotou uma lágrima de orvalho há muito depositada no seu âmago... com destino de devir e de restaurar...
Sempre os Corvos...
Sempre o Sino... o Som.
O Sentimento transforma-se em Emoção e esta galopa nas asas do Vento a distâncias inimagináveis...
Viemos através da Névoa. A alvura dos Céus que cobria os campos em movimento era fascinante. As papoilas esbatidas no branco da neblina surpreenderam a nossa imaginação...
A flor da esteva ... neve quente e perfumada.
Dádiva e aceitação conduzem ao estado de Alegria.
Santa Maria de Évora - Colunas de Pedra elevadas pelo Silêncio e banhadas pela Luz da Rosa, aquela Luz que aspira unicamente à Libertação. Elevou-se este conjunto de Harmonia e Arte através da Meditação e da Obra. Esta, resultante da Força e da Inteligência; aquela, resultante da quatrilogia simbólica e perene do «Saber, Ousar, Querer e Calar», que teve a duração de dez anos de trabalho secreto de fermentação e espera... o resultado foi a Síntese Iniciática.
Este Silêncio centenário encontra-se sempre e sempre a renovar-se ... O Sol tem a Idade de Centos e Centos de Anos, contudo todos os dias renasce...A Rosa sempre desabrocha e sempre é Fonte Emanadora de Luz, e dia-após-dia revela a Sua Mensagem de Paz, de Amor e Sageza. E a Rosa é Luz e a Luz é o Deus inominável, omnipresente e eterno tal como EU SOU EU...
Colunas de pedra elevadas pelo Sacrifício e banhadas pela Luz da Senhora e pela Luz Interna. Silêncio quase absoluto, silêncio centenar, todavia dia-a-dia renovado. Encontro-me realmente no interior do Templus Dei, no Templus-Tempus, no seio da própria Natureza Divina, tudo à minha volta, pedras, imagens, presenças e ausências, está imbuído de um Silêncio e de uma Energia tal que denuncia a própria Presença do Ser Supremo, inefável, inominável... do qual eu próprio e tudo que me rodeia, fazem parte integrante. Tudo se encontra em harmonia, dentro e fora de mim, por não haver dentro ou fora... Olho em frente e, erectas perante mim encontram-se Jakin e Boaz ... do Templo de Salomão.
Na Entrada do Claustro, perante o Apóstolo, o Tempo parou.
Eis-nos perante o Tempo-sem-tempo das Origens da Criação.
Percorro os Claustros de Pedra e de Sombras, onde a Luz se esvai nos meandros labirínticos da construção dos arcos e contra-arcos, colunas e abóbadas que suportam a perenidade da Obra.
Na Capela do Fundador, Sanctum Sanctorum do Claustro, quiçá de toda a Catedral... deparo, ao centro, na Coluna, com o Homem das Duas Chaves. O garante da Abertura da Porta. O Livro está fechado e selado. A que Portais darão acesso aquelas misteriosas Chaves Templárias? Quando o botão do lótus abrir e florescer livre e radiosamente ao Sol, o Homem, então, sairá da sua letargia e facultará a Entrada aos seus Irmãos de igual condição...
Em frente, a Senhora, de Azul e Vermelho.
Ao avançar na Sua direcção os Anjos Guardiães ordenam, em Silêncio, que me detenha... Paro.
Isis permanece com o Véu. Encontra-se Selado e Virgem, por Juramento Sagrado, a cavidade do Seu Adytum. O Menino recolhe e protege o Livro. Igualmente selado. O Fruto permaneceu Sempre no Seu Sagrado Ventre...
Contudo os Tempos estão chegados para se elevarem e retirarem as pedras e conseguirmos finalmente o acesso à PAX PROFUNDA...
Todavia os Dois Vigilantes estão alerta nos seus postos a esquadrar devidamente o Templo e o Mestre Hiram ainda não ergueu a cabeça e colheu a Acácia...
A Rosa+Cruz , presente, ao Alto... O Santo Graal, apontado, em baixo... como duas realidades da mesma REALIDADE!
Vagueio sem rumo pelos Claustros vivendo intensamente o místico ambiente emanado pela coloração, pelo odor, pela forma das pedras da construção. Por entre as arcadas góticas, ao alto - o Athanor... Os Corvos o rodeiam vezes sem conta, quiçá procurando a inevitável transmutação que, da sua negritude putrefacta atinjam a alvura e a purificação e façam parte do resultado final da Obra.
Avanço, rodeado por uma luz doirada, e as pedras brilhantes de sol e oiro tocam-me fundo e fazem-me escutar sons de recordar, e fazem-me sentir os gestos ritmados do pedreiro construtor , prenhes de intenção e de sentido quando transformavam a pedra bruta e realizavam o sonho da sua vida de labor e de oração. Pedreiros, monges, mestres e companheiros partilham, aqui e agora comigo, a minha condição de aprendiz da Arte da Vida.
Os meus acompanhantes, imóveis na sua natureza de pedra, esquadram o Claustro - S. João, S. Marcos, S. Lucas, S. Mateus - e são o suporte existencial do próprio Claustro, racionalizando e quiçá justificando a obra...
Se o piso térreo do Claustro se encontra imbuído de uma força Telúrica, em que sentimos a Terra-Mãe em toda a sua pujança criadora... ao passarmos para a claustra superior, ao aproximarmo-nos do próprio Athanor, a Energia muda literalmente de qualidade e entramos no seio da luz livre e sem reflexo. Da horizontalidade passamos à verticalidade, como o Pedreiro passa do nível ao prumo. Aí, e na base de Athanor vemo-nos perante a representação simbólica do Homem que Sabe, que Ousa, que Quer mas que Cala aos ouvidos impuros. É o Homem Peregrino em constante Demanda da Sabedoria-Sageza das Idades - o Homem montado no Cavalo Branco da Tradição Espiritual de todas as Épocas e de todas as Gentes - , aquele que activa e conscientemente contribui para a Evolução Espiritual do género humano, simbólicamente representado pelas cabeças masculina e feminina. Guerreiro por excelência, mas Templário por Via e Vocação Iniciática, guardião da Mensagem Sublime contra os perigos tenebrosos, ameaçadores da Civilização e da Humanidade.
A Iniciação Solar adivinha-se com a representação do seu Portal do Limiar. O Sol e a Lua apadrinham o Neófito sob a Arcada trilobada, nomeação de facto das três Idades do Mundo.
Athanor... o Fogo no seu interior a arder faz rodopiar o Poder contido!
Silêncio!... Num ponto do Espaço, num tempo sem Tempo, arpejos de longínquos sons... de arcaicos sentimentos... de uma Harpa... O tanger da harpa faz lembrar não sei que distantes realidades... sentidas com uma intensidade de deslumbrar e de deslumbramento. Ouvida pelo ouvido... sentida pelo sentir do baixo-ventre e traduzida pelo coração, torna-se numa e mesma realidade de re-lembrar e de re-descobrir. Os Celtas, os Druídas, os Bardos... Merlin!... Daí até à Grande Mãe abarcante e omnipresente vai um pequeno passo de infinito alcance!...
E logo, a voz humana... a Voz!... os sons de vibração circular, os jogos do sentir entre a Voz e a Harpa... os vislumbres da Memória Interna do EU levando-me até ao limiar do Eterno Presente... E logo e sempre o Fogo, a Chama... Athanor, e no seu seio ,os deuses e os Elementos... O Silêncio!
O Vermelho, o Negro, o Amarelo acompanham e aquecem todo este sentir, e ainda o Castanho e o Dourado, que me fazem filho bastardo deste tempo e filho pródigo daquele tempo do Devir que toca os confins do SER...
Olhando Athanor e adivinhando a presença sublime do seu Fogo Interior, compreendo-lhe a Mensagem de Silêncio... a Linguagem do Silêncio... Ela arde por dentro de mim, de nós, e transborda, do pequenino graal, ao meu redor, através do Olhar e do Gesto, do Rito e do Ritmo, através do Sentimento. Ela arde dentro de mim e anseia pela Demanda... Ela está presente mesmo na obscuridade mais profunda... Manifesta-se na Estrela Flamígera, a Oriente, no Templo da Perfeição.
Athanor arde e a Energia escorre e purifica à sua passagem.
É nesta atmosfera de ritmos e ritos sagrados que encaro o Mestre e Ele me confere o direito de olhar o Pergaminho dos Postulados Ocultos que reza:
1. Uma Vida penetra o Universo e o mantém em Existência.
2. O Universo fenoménico é a manifestação de um eterno, ilimitado Princípio, para além do alcance do entendimento humano.
3. O espírito (ou consciência) e a matéria são as duas polaridades da Realidade última. Os dois, com a acção recíproca entre eles, incluem uma trindade da qual procedem inumeráveis universos, que vêm e vão num interminável ciclo de manifestação e dissolução, todos eles constituindo-se enquanto expressões dessa Realidade.
4. Ao nível do macroscópio, cada Sistema Solar é um ordenado esquema governado por leis da Natureza que refletem uma inteligência transcendente. A Deidade é Lei. A Evolução impera.
5. O Espírito do Homem é idêntico, na sua essência, ao Espírito Supremo Uno. Essa Unidade, essa Alma Superior, dentro da qual o ser particular de cada homem está contido e feito uno com todos os outros.
6. A Lei é Cíclica e o Homem é o seu próprio legislador. A Liberdade e a Consciência do Homem evoluem consoante evoluir o seu auto-conhecimento.
7. A Totalidade é a chave para a compreensão do Homem e do Universo.
Assim me transmitiu o Mestre. Assim eu o transmito.
ORDO AB CHAO!
R.A., Evora, 1994.

 

O Síndroma da Guerra

ou um novo vírus mortal criado pelo Homem
[texto refeito]

Guerra no Iraque e em Bagdad? Guerra na Palestina e em Israel? Guerra em Belfast e no país Basco? Guerra em Nova York e no Afeganistão? Guerra na Chechénia e em Cachemira?...
Não! A verdadeira guerra está a acontecer nas mentes, nas consciências e nos corações dos homens!
Entrámos no século XXI pela mão da barbárie e da selvajaria. Hoje, mais do que nunca, temos de repensar a natureza humana. Esta encontra-se a ceder aos seus mais baixos instintos da animalidade. A grande tentação das hegemonias e dos imperialismos, quaisquer que sejam as suas colorações – religiosas, económicas, culturais, civilizacionais –, conduzem a Humanidade a cometer autênticos genocídios.
Choque de culturas, choque de civilizações, choque de religiões, aliados à intolerância, ao despotismo e à prepotência, que caracterizam e normalizam a acção humana, são o apanágio do homem contemporâneo.
O Planeta está a sofrer uma imensa e arriscada provação. Falando metaforicamente, o Dragão Negro está a possuir e a dominar as mentes, as consciências e, o que é mais grave, o coração dos homens.
Nunca as palavras Democracia, Religião e Amor, estiveram tão vazias de sentidos e de sentir. O primado do ter sobrepõe-se irremediavelmente ao primado do Ser.
Escutemos as palavras de grande sageza, que chegaram até nós por intermédio de H.P. Blavatsky através da sua obra prima literária e filosófica “A Voz do Silêncio”:
“Que a tua Alma dê ouvidos a todo o grito de dor como a flor de lotus abre o seu seio para beber o sol matutino.
Que o Sol feroz não seque uma única lágrima de dor antes que a tenhas limpado dos olhos de quem sofre.
Que cada lágrima humana escaldante caia no teu coração e aí permaneça; nem nunca a tires enquanto durar a dor que a produziu.”
Lágrimas, terror, sofrimento chegam constantemente aos nossos sentidos através dos mass-media. Infelizmente temos a capacidade tecnológica de presenciar a(s) guerra(s) em directo. A grande quantidade de informação manipulada, distorcida e censurada, entorpece-nos o sentir. Olhamos, vemos, ouvimos, tomamos partido, mas falta responder à grande questão: como actuar? Como agir, enquanto indivíduos racionais e conscientes, perante este caótico estado de coisas? Perante estas “normalizadas” atrocidades de lesa humanidade, destituídas de qualquer ética?
Imaginemos, através de uma imaginação criadora, que contemplamos a Terra dos altos céus: sentimos na nossa carne a agonia dos povos! A Terra encontra-se coberta de feridas, cheia de cicatrizes, sangrentas, latejantes... causa de sofrimentos desmedidos...
Mais uma vez recorro à palavra legada por um Mestre de Sabedoria, a apontar caminhos, desta vez publicadas num pequeno livro da autoria de Mabel Collins chamado “Luz no Caminho”:
“Procura em teu coração a raiz do mal e arranca-a... Somente o forte pode destruí-la. O fraco tem que esperar o seu crescimento, a sua frutificação e a sua morte. É esta planta que vive e se desenvolve através das idades...
Não vivas no presente, nem no futuro, mas sim no eterno. Ali não pode florescer esta erva gigantesca...
Cresce como cresce a flor, inconscientemente, mas ardendo em ânsias de entreabrir a sua nova alma à brisa. Assim é como deves avançar: abrindo a tua alma ao eterno.”
Não posso deixar de transcrever, neste tempo de Solstício e de Natal, uma citação atribuída a Jesus o Cristo no momento em que se encontrava na Cruz da Transfiguração: “Eli, Eli, lama Zbacthni.” – “Aqueles que me difamarem, manterão abertas as minhas feridas”. Será esta uma leitura e interpretação destas palavras tão significantes, que os cristãos, principalmente os que optaram pela via da guerra, deveriam continuamente lembrar. Por certo que igualmente se recordarão das tão simples e tão belas palavras de Jesus inscritas no Evangelho segundo São João, XV:12: “Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei.” Fazer a guerra à Humanidade é fazer a guerra a Cristo, é recusar, repudiar e espezinhar a Sua Palavra, o Seu Exemplo, a Sua Memória.
Lembremo-nos da grande verdade de que, não importa quão vasta a escuridão, quão vasta a noite, contudo uma pequena chama de vela detém essa grande escuridão. Na sua insignificância é invencível porque é Luz.
Jesus, o Cristo, não veio ao seio da Humanidade fundamentalmente para morrer. Ele não é, nunca o foi, o Cristo morto. A Vida e não a morte, a Luz e não as trevas, são o Seu ensinamento. Ainda no Evangelho segundo São João, VIII:12, podemos ler as palavras atribuídas a Jesus: “Eu sou a luz do mundo; o que me segue não anda em trevas; mas terá a luz da vida.”.
Que cada um de nós mantenha acesa a sua pequena chama. Cada qual, por si, pode tão só significar uma fraca luz, contudo a natureza de todas as chamas é a mesma, é Una. E todas juntas, na sua Unidade Essencial, firmemente dirigidas e erigidas aos céus ensombrados pelas densas nuvens negras do ódio e da ignorância, poderão, a pouco e pouco, afastar as trevas e fazer surgir mais uma vez e sempre a Grande Chama Universal, corporalizada pelo Sol a que os antigos denominavam por Cristo Solar ou Logos Solar...
Mais Compaixão e mais Amor são precisos para que o Fogo Criador realmente se torne uma Realidade viva e verdadeiramente transformante e transformadora nos corações e nas consciências da Humanidade que é Una!
Termino com a apresentação de um poema de Novalis :

“Quando a chave de toda a creatura
seja mais do que número e figura,
e quando esses que beijam com os lábios,
e os cantores, sejam mais que os sábios,
e quando o mundo inteiro, intenso, vibre
devolvido ao viver da vida livre,
e quando luz e sombra, sempre unidas,
celebrem núpcias íntimas, luzidas,
quando em lendas e líricas canções
escreverem a história das nações,
então, a palavra misteriosa
destruirá toda a essência mentirosa.”


RUI ARIMATEIA
Dia do Solstício de Inverno
Évora, 2005.

sexta-feira, dezembro 30, 2005