terça-feira, junho 19, 2007

CIÊNCIA E TEOSOFIA

“Bem-aventurado aquele que se tornou sábio, que já não especula sobre o mundo e busca em si mesmo a Pedra da Sabedoria eterna.
Somente o sapiente é digno de ser adepto – ele transmuta tudo em vida e ouro, sem precisar de elixires.
A retorta sagrada nele exala – o rei presente nele está – Delfos também; e finalmente ele compreende : Conhece-te a ti mesmo.”

NOVALIS

Já vai distante o ano de 1977 em que pela primeira vez contactei com a Teosofia. Toquei e mergulhei nela, embora não estivesse só porque sempre presentes estivessem os Irmãos e Irmãs do Ramo Boa-Vontade.
Olhando agora a uma distância confortável para me permitir uma observação descomprometedora, verifico que a Teosofia me deu um método de trabalho, de investigação, de pensar e de construir a relação com o outro. Deu-me um método para uma aprendizagem em exercício da vida do dia a dia.
Aprender a pensar, aprender a relacionar-me comigo próprio – com os meus sentimentos, a minha sensibilidade, os meus medos e a minha força interior – e com os outros que me rodeavam, independentemente do seu sentir e dos seus ideais.
Penso ter conseguido interiorizar alguns conceitos fundamentais, e que, por sua vez, se foram constituindo enquanto ferramentas essenciais para um progressivo crescimento interior: o Autoconhecimento, a Unicidade de toda a Vida, a importância do Eterno Presente, a urgência do Serviço... Tenho consciência de que o meu comportamento perante a Vida, perante a Sociedade, e perante os outros, desde então, têm sido inspirados por esses conceitos e realidades.
O Ramo Boa-Vontade foi o cadinho onde se misturavam as diferentes experiências dos seus membros. Foi o laboratório onde se testavam condutas, se reflectiam saberes e sentimentos; onde se partilhavam certezas e incertezas, angústias e alegrias; onde se construíam personalidades; onde se desfaziam dogmas e preconceitos; onde se alicerçavam as bases para um viver mais altruísta, mais autêntico, mais teosófico. O trabalho contínuo do Ramo foi fundamental para o crescimento e o desenvolvimento de um espírito teosófico autêntico e duradoiro.

A Ciência é a busca da Verdade do mundo exterior, tal como a Teosofia é a demanda da Verdade dos mundos internos, espirituais. São, por assim dizer, complementares, possuindo uma ferramenta em comum, extremamente importante – a da investigação.
A investigação é a pedra-de-toque para o aprofundamento de uma e de outra.

Normalmente quando pensamos em Ciência logo dirigimos os nossos pensamentos para as notícias das grandes descobertas da Física, da Matemática, da Biologia ou da Astronomia… Logo pensamos em Teorias da Relatividade, em Hipóteses Quânticas, em grandes descobertas no domínio do átomo e do atómico… Contudo faz-me mais sentido olhar não tanto as diferentes disciplinas da Ciência, mas principalmente o próprio processo científico, o modo de investigação que exige um método no sentido de nos auxiliar a descobrir a Verdade das coisas, as causas, os efeitos, a sua evolução, etc.
Também a Teosofia poderá ser encarada como um sistema de pensamento complexo que o ser humano tem necessidade de compreender cabalmente.
Através do estudo e da compreensão da Teosofia, a busca da Verdade Una é o desafio que permitirá ao ser humano estudar-se e compreender-se – enquanto Microcosmos – e estudar e compreender a Natureza – enquanto Macrocosmos –, em todas as suas dimensões, estados e realidades.
Conceitos tais como método e investigação remetem-nos para outros, tais como observação e auto-conhecimento. Estes últimos fundamentais para que não só o espírito científico dos nossos dias, mas também o espírito teosófico, façam sentido. Uma observação profunda, atenta, do que nos rodeia é fundamental para nos apropriarmos da realidade. Esta apropriação, e sua cabal compreensão, só serão conseguidas plenamente através de um autêntico e genuíno Auto-conhecimento.
A função da Teosofia, hoje e sempre, tal como o recorda a Sr.ª Radha Burnier, é o da Regeneração Humana – aquela qualidade criativa inerente ao ser humano que faz com que o velho seja continuamente transmutado em novo através de um dinâmico e contínuo processo de recriação e de regeneração das mentes.
Refere H. P. Blavatsky em “A Voz do Silêncio”:
“- Não separarás o teu ser do SER, e do resto, mas fundirás o oceano na gota de água e a gota de água no oceano.
Assim estarás em acordo com tudo quanto vive…”

Observação e Investigação, são duas premissas indissociáveis para aquele que quiser levar a cabo um autêntico trabalho Teosófico, assim como um correcto trabalho científico.

Refere-nos J. Krishnamurti, ao longo de toda a sua obra, que a mente científica é objectiva, sendo a sua missão descobrir, perceber. Desta descoberta, desta percepção a Ciência tira conclusões, constrói teorias. A mente move-se de um facto para outro facto. Contudo não deverá estar presa a condicionalismos subjectivos criados por imagens e teorias e ideologias do passado, do vivido. A mente científica, nesta diferente dimensão que K. nos apresenta, é uma mente nova e criadora, é uma mente que utiliza a observação e a experiência para captar a essência da realidade que nos é apresentada. Esta mente nova está pronta para o fenómeno da mutação, da transformação radical, do pensar e do agir. Contudo esta observação não é dicotómica, tal como o senso comum nos “dita e obriga”, esta observação não tem nem observador nem coisa observada, não cria uma relação de sujeito/objecto – somos todos observadores, somos todos sujeitos, todos temos o direito e o dever de usar e deixar usar a palavra, a comunicação.
Este direito à palavra, que deveria ser comum a toda a espécie humana, dá-nos a possibilidade de acesso a um estado de comunhão com o outro quando essa palavra é correctamente emitida e percebida.
Um dos papéis fundamentais da Teosofia é o de tentar encontrar uma linguagem essencial e comum a toda a Humanidade, nomeadamente através da concretização dos seus dois primeiros Objectivos:
1.- Formar um núcleo de Fraternidade Universal da Humanidade, sem distinção de raças, sexo, casta ou cor.
2.- Promover o estudo comparativo das Religiões, Filosofias e Ciências.
Para terminar, gostaria de recordar um dos teósofos cujas postura e metodologia de trabalho influenciou várias gerações, e refiro-me a C. W. Leadbeater. Este cientista da Teosofia defendia como verdadeiramente fundamental para uma demanda teosófica e científica rigorosas o seguinte:
“Faz o que tens a fazer e sê aquilo que és … não dês importância a atitudes marcadamente convencionais, sê tu próprio… o que as pessoas pensam ou dizem acerca de ti, aprovando ou desaprovando as tuas acções, é indiferente para o teu real desenvolvimento… não creias em nada que não experimentes e não comproves por ti próprio e em ti próprio…”, são alguns dos pensamentos que C.W.L. deixa transparecer nos seus escritos, traçando indelevelmente uma via para o Auto-conhecimento e para uma Ética vivencial profunda.

Évora, 20 de Abril de 2004
Rui Arimateia